5 maneiras de liberar dopamina para ter sucesso no planejamento financeiro pessoal e familiar

por: Carlos Castro, CFP® em 19/11/2024

Planejamento Financeiro

Após anos de experiência como planejador financeiro, percebi que o maior desafio na gestão das finanças pessoais não está apenas nos números, mas principalmente na forma como tomamos decisões financeiras. De acordo com Daniel Kahneman em seu livro "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar", o nosso cérebro é dividido em dois sistemas de pensamento: o Sistema 1 (S1), rápido, automático e emocional, e o Sistema 2 (S2), lento, deliberado e racional. A maioria das decisões financeiras que tomamos é guiada pelo S1, que opera por instinto e emoção, em vez de lógica e análise cuidadosa.

Neste ano, celebramos 30 anos do Plano Real, uma conquista que trouxe estabilidade econômica ao Brasil ao combater a hiperinflação, criando o ambiente necessário para que o planejamento financeiro pessoal e familiar fosse viável. Antes do Plano Real, a inflação descontrolada tornava o planejamento financeiro praticamente impossível. Qualquer tentativa de prever o futuro financeiro era frustrada pela imprevisibilidade dos preços, corroendo rapidamente o poder de compra. Hoje, com uma economia mais controlada, o planejamento financeiro tornou-se uma prática acessível e viável para as famílias brasileiras. No entanto, mesmo em um cenário de inflação moderada, ainda falhamos em planejar financeiramente.

Por que falhamos ao realizar um planejamento financeiro pessoal e familiar? A resposta é simples: porque o planejamento financeiro não é uma ciência exata. Ele envolve uma série de fatores emocionais, sociais e comportamentais que impactam diretamente a maneira como gerimos nosso dinheiro. Embora o planejamento financeiro seja uma ferramenta cada vez mais conhecida e disseminada, indo da gestão de fluxo de caixa, passando pelo planejamento de investimentos, planejamento da aposentadoria, planejamento tributário, planejamento de seguros e planejamento sucessório, muitos de nós quando nos propomos a fazê-lo, falhamos na execução. E essa falha ocorre justamente porque o planejamento financeiro é influenciado por comportamentos e decisões tomadas sob a influência do S1.

Quando tomamos decisões financeiras como gastar por impulso ou evitar poupar, estamos frequentemente seguindo o caminho do menor esforço, guiados pelo S1. É aí que entra a dopamina, o neurotransmissor associado à sensação de prazer e recompensa. Toda vez que realizamos uma ação que nosso cérebro associa a uma recompensa imediata, como uma compra impulsiva, a dopamina é liberada, reforçando esse comportamento. Essa sensação de prazer, mesmo que momentânea, nos faz repetir o comportamento, criando um ciclo que pode ser prejudicial ao nosso bem-estar financeiro.

Como então podemos transformar o planejamento financeiro em algo que gere prazer e satisfação, semelhante ao que sentimos ao consumir? É aqui que entram os conceitos de nudges, popularizados pelo economista comportamental Richard Thaler. Nudges são "empurrões" sutis que incentivam escolhas melhores sem restringir a liberdade de escolha. Eles funcionam aproveitando os mecanismos naturais do S1, usando pequenos incentivos e lembretes para orientar comportamentos positivos.

Para fazer do planejamento financeiro um hábito, é importante criar mecanismos que ofereçam recompensas imediatas e tangíveis para comportamentos financeiros positivos:

1. Automatizar decisões financeiras: podemos automatizar transferências para poupança ou investimento sempre que recebemos nosso salário. Isso elimina a necessidade de tomar decisões que podem ser influenciadas pelo S1. Ao ver o saldo da poupança crescer, nosso cérebro recebe um "feedback positivo", liberando dopamina e reforçando o comportamento de poupar.

2. Estabelecer metas menores e alcançáveis: em vez de tentar economizar uma grande quantia em um ano, podemos dividir essa meta em pequenos objetivos semanais ou mensais. Cada vez que alcançamos uma dessas metas menores, sentimos uma sensação de conquista, o que libera dopamina e nos motiva a continuar. Essa abordagem também ajuda a criar disciplina, pois nos ensina a dar passos concretos e viáveis, em vez de nos intimidarmos com metas grandes e distantes.

3. Gamificação do planejamento financeiro: transformar o ato de economizar e investir em um jogo com pontos, recompensas e desafios, torna o processo mais envolvente e gratificante. Pequenas recompensas, como visualizar seu progresso em um gráfico ou receber "medalhas" por alcançar objetivos, podem ativar o mesmo mecanismo de dopamina que sentimos ao consumir algo de que gostamos. Isso torna a jornada de poupança e investimento mais divertida e motivadora.

4. Utilizar arquétipos e narrativas: criar uma história em torno de seus objetivos financeiros pode ajudar a conectar emocionalmente com esses objetivos. Por exemplo, pensar em uma reserva financeira como um “fundo de liberdade” que lhe permitirá viajar, mudar de carreira ou simplesmente ter paz de espírito em tempos de incerteza pode criar uma conexão emocional mais forte e tornar o hábito de poupar mais importante.

5. Estabelecer gatilhos e reforços positivos: para criar disciplina que leve ao hábito, é importante também estabelecer gatilhos que lembrem as ações que desejamos realizar. Esses gatilhos podem ser lembretes no celular, mensagens de incentivo, ou até mesmo a visualização de metas alcançadas em um quadro ou aplicativo. Cada vez que uma ação desejada é realizada, deve-se buscar um reforço positivo, seja uma pequena celebração ou uma recompensa simbólica, para que a dopamina continue a ser liberada.

No final, o que realmente importa é encontrar o prazer nas pequenas vitórias, usar a ciência comportamental a nosso favor, e reconhecer que mudar hábitos financeiros é um processo contínuo que requer esforço e autoconsciência. O verdadeiro segredo está em transformar o planejamento financeiro em uma prática que não só faça sentido racional, mas que também desperte o prazer e a motivação intrínseca, criando um ciclo virtuoso de decisões positivas.

Transformar o planejamento financeiro em algo que libere dopamina e gere satisfação é possível quando fazemos escolhas conscientes e criamos um ambiente que facilite o comportamento desejado. Quando o planejamento financeiro deixa de ser uma obrigação e passa a ser um aliado na busca por segurança e realização, é que realmente transformamos nossas vidas. Porque, no final, o propósito do planejamento financeiro é muito mais do que equilibrar contas — é viver bem a vida toda.

Carlos Castro é planejador financeiro pessoal, CEO e sócio fundador da plataforma de saúde financeira SuperRico.